F1: DRIVE TO SURVIVE – 3ª TEMPORADA – CRÍTICA

Desde a temporada 2018 a Netflix no ano seguinte faz uma série documental de 10 episódios isolados focando principalmente nos bastidores das corridas, cada episódio com um foco diferente, sendo o último a reta final do campeonato. Com o sucesso da primeira temporada, que é de fato excelente, a renovação para uma segunda temporada era inevitável. E ela veio. Tendo como base uma temporada de 2019 incrível da F1 (e a permissão de Mercedes e Ferrari para gravar conteúdos), a segunda temporada ficou ainda melhor que a primeira.

Eis que chegamos em 2020, possivelmente a melhor temporada que a F1 teve desde 2012. Talvez a melhor base que a Netflix já tenha tido para uma série documental. Muitos temas poderiam ser abordados aqui. Mas deu absolutamente tudo errado. Discorramos a seguir:

Formula 1: Drive to Survive official poster : formula1
Pôster F1: Drive to Survive (imagem: Netflix)

O primeiro e o segundo episódio talvez sejam os melhores. No primeiro temos apresentação das equipes, a pré-temporada, a polêmica “Mercedes Rosa” da Racing Point, as expectativas e o “GP da Austrália”, que foi cancelado com todo o paddock já montado pois um funcionário da McLaren havia testado positivo para Covid-19. Já no segundo episódio é retratada a volta às pistas quatro meses depois, no GP da Áustria, sem a presença de público. E no quesito sequências de corrida, esse é de longe o melhor episódio, é onde a edição é menos pesada.

Dois outros episódios muito bons são o quarto e o sexto, que retratavam, respectivamente, o drama da Ferrari como uma equipe do pelotão intermediário, e o arco de redenção de Pierre Gasly até sua vitória extraordinária em Monza. Os outros episódios, e até mesmo esses dois que eu acabei de citar, são problemáticos.

Primeiro de tudo: a edição dessa série, tirando nos dois primeiros episódios, é no mínimo trágica. A imersão que as duas primeiras temporadas têm, até mesmo para quem respira a F1, é perdida aqui. E as sequências de corrida abusam da câmera lenta de uma forma que até mesmo Zack Snyder (diretor de 300, Batman vs Superman, e que ganhou os holofotes nessa semana com o lançamento do “Snydercut” de Liga da Justiça), que é apaixonado por esse recurso, falaria que seu uso foi exagerado. E considerando que F1 é o esporte mais rápido do mundo, é um recurso que não faz o menor sentido.

GP da Estíria de F1: Leclerc bate em Vettel e ambos saem: "Joguei o esforço  da Ferrari no lixo"
Acidente entre as Ferraris na Estíria (onboard de Kimi Raikkonen)

Um outro momento de edição que deu vergonha alheia é o acidente entre Vettel e Leclerc no GP da Estíria, onde para retratar a fúria de ambos os pilotos, utilizaram os rádios do GP do Brasil de 2019 fora de contexto, sendo que aqui Leclerc desde o início assumiu a culpa pelo acidente.

Além da edição que dispensa mais comentários, a estrutura, a ordem, e a forma como os temas dos episódios são abordados também são problemáticas. O terceiro episódio é de novo a busca de Valtteri Bottas por provar seu próprio valor, algo que foi trabalhado exatamente da mesma forma na temporada anterior e se não fosse a diferença de um ano seria um Ctrl+C Ctrl+V, pois até no fatídico episódio do GP da Rússia de 2018 eles fazem questão de voltar de novo. É um episódio desnecessário, além de ter possivelmente a imagem mais constrangedora de um documentário que eu já vi na vida.

O quarto e o oitavo episódios, que falam respectivamente da saída de Daniel Ricciardo da Renault rumo à McLaren e da saída de Carlos Sainz da McLaren rumo à Ferrari, poderiam muito bem ser um episódio só. No episódio do Ricciardo, o relacionamento dele com o Cyril Abiteboul (então chefe da Renault) além de arrastado é trabalhado pela metade, e no episódio do Sainz, a Netflix fez questão de enfiar durante o episódio inteiro um drama entre o espanhol e seu então companheiro Lando Norris um drama mais artificial que qualquer corante alimentício que você encontra no supermercado.

Ricciardo na McLaren e Sainz na Ferrari: vencedores e derrotados | voando  baixo | ge
Daniel Ricciardo e Carlos Sainz Jr, os pilotos que mais movimentaram o mercado de transferências

E o arco entre Ricciardo e Abiteboul não é o único a ser explorado pela metade nessa série não. Nas duas vezes em que a série teve a oportunidade de tratar da queda de desempenho de Alexander Albon, ela focava no outro lado da moeda, deixando o ex-piloto da Red Bull marinando. Foi assim no sexto episódio, focado em Gasly, e na segunda metade do nono episódio, focado na redenção de Sergio Pérez. Além disso, o relacionamento dos dois pilotos da Ferrari com a equipe vermelha poderia ter sido explorado mais a fundo.

E para não deixar passar em branco, o sétimo episódio, que fala sobre a Haas e sua busca por dinheiro para se manter na categoria, é bom. O clima de família dentro da equipe é bem trabalhado, o Gunther Steiner é alguém que a cada temporada eu gosto mais, e a cada ano que passa ele é mais profissional e mais esforçado, e o episódio retrata bem quem é Mick Schumacher e os rumores que o circulavam enquanto o alemão negociava com a Haas, mostrando que a equipe, quando quer, é boa em fazer uma negociação discreta. E é um ponto positivo tratarem Nikita Mazepin apenas superficialmente para não correr o risco de comprometer a imagem do russo, que já está comprometida por outras coisas.

Eis que chegamos ao nono episódio, em que sua primeira metade é inteira focada no assustador acidente de Romain Grosjean. E aqui eu confesso que quase chorei. A Netflix conseguiu não dramatizar excessivamente o acidente e tratá-lo com honestidade, pois eram imagens fortes e que chocaram o mundo inteiro. Foi a abordagem mais honesta da série inteira e a entrevista da Marion Jolles (esposa de Grosjean) é de cair água dos olhos. Me arrisco a dizer que a Netflix tratou as imagens desse acidente melhor que a própria F1 na época, quando muitos criticaram fortemente o excesso de replays durante o período de bandeira vermelha.

Já a segunda metade do episódio, focada no alucinante GP de Sakhir e na redenção de Sergio Pérez, com uma atuação de gala que garantiu a vaga do mexicano na Red Bull, é muito boa, mas tem seus problemas. A corrida extraordinária de Pérez teve o destaque que mereceu, mas muitos elementos que essa corrida nos trouxe ficaram de fora: a estreia de Pietro Fittipaldi e Jack Aitken (tudo bem que essa poderia ficar de fora mesmo), as corridas de Esteban Ocon e Lance Stroll que não foram tão extraordinárias, mas ainda assim foram excelentes, e, principalmente, a ausência de Lewis Hamilton e a estreia de George Russell na Mercedes, que pilotou como um vencedor e liderou mais da metade da prova. A Netfix não ter trabalhado a história de Russell foi quase um crime para essa série.

O décimo e último episódio foi tão agridoce quanto o GP de Abu Dhabi, o último da esplêndida temporada de 2020. O GP ficou em segundo plano, o que era até compreensível já que quase nada mais estava em jogo. A única coisa que faltava era o terceiro lugar no campeonato de construtores, disputado entre McLaren, Racing Point e Renault. E antes da série se despedir pela terceira vez de seu público, o final é ofensivo, falando pela tangente de temas que poderiam ser abordados só para dizer que não esqueceram.

Sergio Perez and George Russell indulge in a friendly banter over 2020  Sakhir GP » FirstSportz
O contraste de Sakhir: o emocionado Sergio Pérez e o desolado George Russell

Se for para resumir essa temporada em duas palavras, elas seriam: decepcionante e insuficiente. Decepcionante pela alta expectativa criada devido à grande temporada que a F1 teve, e insuficiente por não abordar nem metade do que poderia, com os temas deixados de fora podendo render episódios melhores. Além disso, é uma temporada que teria se beneficiado se tivesse 2 ou 3 episódios a mais, pois é preciso reconhecer que de forma alguma 10 episódios seriam suficientes.

Temas que ficaram de fora dessa temporada que poderiam ser abordados e que trariam boas histórias:

  • O retorno de Fernando Alonso pela Renault;
  • Todos os recordes batidos por Lewis Hamilton, e empatando em títulos com Michael Schumacher;
  • A despedida da família Williams após o GP da Itália;
  • A surreal estreia de George Russell pela Mercedes;
  • O declínio sem fim de Alexander Albon;
  • GP da Hungria;
  • GP da Turquia;
  • Nico Hülkenberg substituto.

Apenas finalizando, a 3ª temporada de Drive to Survive é como chamar os amigos para comer uma pizza grande, comendo apenas 50% da pizza e ainda assim deixando pedaços comidos pela metade.

Canada | Nile Fortner Presents…BOOGIE BUDDHA
NOTA 4/10

Deixe um comentário

Crie um site como este com o WordPress.com
Comece agora